BNCC um projeto de Manipulação e Alienação

Composição XX (Kandinsky)

A BASE Nacional Curricular Comum é um documento que tem o intuito de padronizar a educação púbica em todas as escolas brasileiras, ela é pensada em uma concepção individual, baseada na meritocracia a serviço do pensamento do mercado, para servir à política de desmonte e de desvalorização do ser humano. É escrita no singular, porque é pensada, arquitetada no individualismo e não no plural, ou seja, na coletividade, como deveria ser para contemplar as diferenças regionais e as diversidades humanas.  A mesma traz no seu bojo a essência do capitalismo, do mercado empresarial, pensando apenas em satisfazer as necessidades do mercado financeiro.

Os detentores do poder, de forma antidemocrática, sem discussão com a sociedade, em especial com os que fazem a educação acontecer no chão da escola, determinaram em um documento como deve ser distribuído o currículo das escolas de todo Brasil.

“Os que detêm o monopólio do ter, do poder e do saber controlam os mercados e decidem sobre o que se deve produzir, consumir e exportar. Numa palavra os colonizados são impedidos de fazer suas escolhas, de tomar as decisões que constroem sua própria história”. (Boff, 2012, p. 22)

Segundo Boff, as decisões passam pelos que detém o ter, o poder, o saber e o controle do mercado, e foi exatamente o que aconteceu com a BNCC. Ela foi pensada para atender às necessidades do mercado, dos empresários, das elites burguesas, dando ênfase às disciplinas de português, matemática e cursos técnicos. Essa, sem dúvida, é uma forma de colonizar o pensar e o agir do indivíduo, impedindo de fazer suas escolhas. A falta das discussões na construção do citado documento impede a participação dos atores que atuam de forma efetiva no chão das escolas e impede também que seja construída a transformação da educação de forma democrática e participativa.

Esta Base traz ideologicamente a preservação das escolas tradicionais e conservadoras, priorizando a prática conteudista, vendo os estudantes como seres que não podem criar asas, que precisam ser presos a uma concepção. Essa prática conteudista impede o pensamento de liberdade, de criar, de inventar e reinventar o saber. O tradicionalismo é usado para manter engaiolados os pensamentos e levar os trabalhadores e seus filhos a estudarem utilizando uma BNCC que os privam da liberdade, para assim controlar a sociedade e manter o poder determinado pelos dominantes. 

O ser que não pensa livremente acaba engaiolado, controlado pela concepção dos dominantes e levado para onde os detentores do poder quiserem e essa é uma determinação dos opressores: quanto mais seres controlados mais aumenta o poder, e assim mantêm-se na dominação do poderio, aumentando o poder do opressor.

A Base Curricular apresentada pelo MEC (Ministério da Educação) é o fortalecimento dos empresários, da mercantilização, do capitalismo e das elites burguesas. É o cativeiro dos trabalhadores em educação e dos estudantes das escolas públicas, visando o controle do saber educacional, produzido através de professores (as) e estudantes no fazer pedagógico. O cativeiro da escravização do pensar, da colonização do ser humano, o adestramento para sustentar a mais valia na realização do sistema empresarial no sentido de atingir o objetivo do capital financeiro, determinando assim o crescimento do poder sobre os dominados.


   “Através da manipulação, as elites dominadoras vão tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E quanto mais imaturas, politicamente, estejam elas (rurais ou urbanas) tanto mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder.” (Freire, 1982, p. 172)


O mercado empresarial, com intuito de manipular a classe operária da educação se encarrega de assumir, através de diversas empresas, a formação continuada dos professores (as), utilizando das empresas como VIVO TELEFONICA, FUNDAÇÃO LEMANN etc., assim têm facilitado a entrada desse projeto destruidor nas escolas públicas, para formalizar a implementação da base curricular, sonhada e idealizada pelo grande capital para a mercantilização da educação pública. Essa foi a forma de inserir a ideologia mercantilista com a função manipuladora na construção do saber dos educadores das escolas públicas.

Ainda há quem diga que a definição dos conteúdos são apenas 60%, sendo que os 40% podem ser trabalhados de forma regionalizada, priorizando a cultura local, porém tem a obrigatoriedade da cobrança dos conteúdos definidos dos 60% através das provinhas Brasil, Ana (Avaliação Nacional de Alfabetização) etc., atendendo cumprimento da determinação do MEC, o que levará os professores a trabalharem especialmente os conteúdos definidos nacionalmente, para atender a realização determinada pelas avaliações das provas aplicadas nacionalmente nas escolas públicas.

Portanto, os conteúdos trabalhados prioritariamente são os que serão cobrados de forma nacional, visto que os professores (as) e estudantes já são pressionados para que obtenham uma boa nota nestas provas.

“Todo aniquilamento ou subalternização, subordinação, marginalização e ilegalização de práticas e grupos sociais portadores de forma de conhecimento “estranhos”, porque sustentados por práticas sociais ameaçadoras”. (Santos, 1995, p.328).

A formação ideológica defendida no projeto golpista está totalmente atrelada a uma concepção bancária, visto que não teve discursão com os educadores (as), estudantes e a sociedade civil, ficando a critério dos que se jugam “sábios” e detentores do poder. Essa é uma prática autoritária que é desenvolvida na relação de subalternidade dos que se dizem dominadores do “saber” e dos que nada sabem. É preciso romper com essa cultura subalterna e opressora. 

Aos educadores e estudantes só resta a resistência e a desobediência, pois, diante da violência apresentada pela BNCC, é preciso uma luta articulada para uma reação de forma coletiva da sociedade, é preciso dizer não à retirada da autonomia educacional dos que fazem a educação acontecer nas escolas públicas.

Este projeto apresenta de forma clara a luta de classe, a luta entre os oprimidos e opressores, os dominantes e os dominados, estar posto a subalternidade de uma classe sobre a outra.


Referências Bibliográficas

BOOF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
Chauí, Marilena. Espinosa: poder e liberdade. Universidade de São Paulo.2006. http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/filopolmpt/06_chaui.pdf
FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 198 
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.  Organização , introdução e Revisão Técnica de Roberto Machado. www.sabotagem.cjb.net2. 
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2013.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-  modernidade. Cortez, São Paulo, 1995.



Sandra Morais 
Graduada em história, professora da rede municipal de Santo Amaro das Brotas/SE, Membro do grupo de pesquisa  em Educação, Cultura e Subjetividade- GPECS/CNPQ/UFS e diretora do Departamento de Bases Municipais do Sintese.



 

Luta




Foi esperado 500 anos para surgir um nordestino que abrissem as portas para um pobre trabalhador do campo ou da cidade que tivesse o direito a alimentação na mesa, a uma casa, a uma geladeira, a uma tv, um carro, uma moto, viajar de avião, sentar no restaurante, ter um lazer familiar, ir ao cinema, frequentar uma escola, chegar a uma universidade, parece bobagem mais para muitos durante séculos foi  apenas um sonho.

Avaliar que a decisão judicial sobre Lula é apenas para freiar a corrupção é não conhecer as transformações ocorrida na vida da classe trabalhadora que sempre foi excluída da sociedade brasileira. Excluída de bens e direitos, a classe pobre ficava reservada a exploração da mão de obra barata, continuidade da escravidão.

A transformação da vida social da classe trabalhadora abalou a burguesia e os poderes, e a resposta não demorou veio muito rápido pois o homem que estendeu a mão e deu voz ao povo acenando com direitos terá a cadeia como herança e o ódio da burguesia e dos seus vassalos.

Comemorar a prisão de Lula é comemorar a volta da senzala é o crescimento da casa grande, é o fortalecimento da burguesia, é ver o chicote de volta nas costas dos trabalhadores que muitas vezes apenas teve direito ao prato de comida pelo trabalho realizado o dia inteiro e a esse tipo de trabalho chama-se escravidão, não por querer mais por razão.

Esperar o que, quando vejo uma máquina compensoura, distruindo direitos, acabando com a democracia, com os sonhos de uma geração, matando a juventude negra , sufocando as vozes que ainda temos.

Portanto o que estamos vivendo e uma luta de classe que cada momento fica mais clara, e é preciso refletir o que é classe, a que classe pertenço, de onde vim, onde estou, e para onde vou?
Se depois de refletir a que classe pertence  continuar falando que é problema de Lula, e do PT, é porque vc não aceita a classe que pertence e quer continuar sendo escravo com direito a entrar e sair da casa grande sem nenhum impedimento.

Fotografia : Francisco Proner Ramos

Sandra Morais 
Graduada em História, professora de rede pública  Municipal de Santo Amaro das   Brotas/ SE e Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Cultura e Subjetividade- GPECS/CNPQ/UFS/SE e diretora do Departamento de Bases Municipais do Sintese.


 

A fragilidade dos contratos e a profundidade da vida



                                   



Lendo o Tratado Político de Espinosa fiquei com algumas ideias  reverberando dentro de mim até o momento que escrevo esse texto. Talvez, a principal delas tenha sido o fato de ter compreendido que os contratos são apenas palavras dadas . Explico !

 O que Espinosa parece querer dizer é que a vida é muito mais profunda do que as letras frias dos contratos e que por mais que nós possamos/tentamos podá-la, restringi-la , doutriná-la por meio das gélidas clausulas contratuais, ela explode em intensidade por meio de nosso direito de natureza.

Ele nos mostra como nós nos construímos enquanto sujeitos de forma tão rígida ao ponto de submeter  e restringir nossa vida à prisão dos contratos. Acreditando existir uma cartilha, uma espécie de mapa da mina , onde se pode caminhar e viver livre da inconstância.  Ou seja , Espinosa nos mostra o quanto nos despotencializamos submissos a essas clausulas contratuais, nadando contra à maré da nossa própria natureza . Preferimos a rigidez da hierarquização da vida a entendê-la como composição . Insistimos na fragmentação, na categorização em vez da unicidade. E no final, depois de tantos gastos e desgastes não há contrato que possa com o imponderável da vida e da própria natureza.

O contrato é frágil . E por mais racionalistas que possamos ser não conseguiremos submeter, ou  adestrar nossa natureza. Os contratos e sua racionalidade não são capazes de impedir a potência de nossas afecções . Talvez por isso, desconfio que a moral entre nesse jogo  para cumprir esse papel que o contrato sozinho não conseguiu : o de potencializar o amordaçamento de nosso viver .

Porque será a moral que existe por trás dos contratos, das lei, das relações sociais que irá nos paralisar através da culpa . Culpa de fazer , de não fazer, de desejar , de consumar o desejo, de não ter desejo. Culpa de não seguir à risca, de subverter a ordem , culpa de movimentar-se . A moral matará  o movimento .

Por isso, Espinosa e suas palavras vêm afirmar para mim que não devo me levar tão a sério. Mais que isso, vêm  reafirmar a necessidade de desconfiar do que penso, do que acredito, do que reivindico, o tempo todo . Porque é aqui onde está a potência , onde está o movimento, a vida em profundidade com tudo que me cerca e me compõe . E sob isso não tenho controle. Não existe razão, lei, ou nenhum Deus transcendental que eu possa usar de apoio, ou transferir meu direito de natureza nessa vã busca da calmaria eterna . Não existe porto seguro. Existe, pois, a possibilidade de aprender a navegar.  Tenho , então, preferido os rascunhos e as rasuras em vez dos contratos .


Decomposição dos Corpos

Saturno devorando um filho, 1820-23.
Francisco Goya

Decomposição dos corpos, eis um rótulo efervescente. Este pequeno artigo propõe fazer uma breve cartografia do corpo, do corpo capitalizado, ou como Baudrillard (2010) “o mais belo objeto de consumo”. Este corpo que é previamente roubado, desestruturado, e posteriormente realocado, manuseado de tal forma a adaptar-se a sua mais nova função. Corpo-Função-Produção. Eis a fórmula, simples, fácil de grudar em qualquer subjetividade.

Com efeito, disto podemos observar uma época onde a prevalência é das identidades supra-pessoais e individualizantes onde há o discurso de livre escolha[1] sobre os seus corpos e de longas agendas com horários flexíveis à moda de desenhos arquitetônicos agrupado em módulos, em que literalmente "o tudo se encaixa com o todo", bem, nosso corpo não escapa desta lógica analítica que separa, decapita, partes do corpo por todos os lugares (para interconectá-los depois, é claro). O que nos parece disso, é que o corpo, tem-se convertido num dócil portador de uma tendência epidêmica a ser triturado, tal como nos desenhos arquitetônicos modulares[2], como os nossos horários flexíveis, como os aplicativos de nosso smartphone, etc.

A publicidade, que é um bom exemplo, em suas mais variadas formas como jornais, revistas, propagandas, comerciais e etc., como também as novas ciências da imagem (TV, cinema, internet, outdoors etc.) que utilizam o corpo como o principal modelo de reivindicação de todos os seus tipos de produtos, serviços e atividades. “seja em que cultura for, o modo de organização da relação ao corpo reflete o modo de organização da relação às coisas e das relações sociais” (BAUDRILLARD, 2010, p. 168). O corpo é um espetáculo. O corpo é uma estratégia de marketing. Como também, este corpo que agora se tornou produto explicita operações dermoestéticas e academias de ginástica, que analisam o corpo em partes, para poder "potencializar", aumentar, diminuir ou intercambiar este corpo, agora, estratificado. Técnicas/exercícios para hipertrofia de bíceps, tríceps, glúteos... Aumentar aqui e ali. Diminuir aqui e ‘aculá’.

Alguém poderia pensar que este novo e superficial culto somático testa a superação de velhos prejuízos metafísicos. Para esta visão um tanto quanto otimista, estaríamos antes de uma efetiva inversão sobre o platonismo e todas as visões que consideravam o homem como um ente especial que o seu custo maior era de deixar precisamente o corpo pelo caminho, caminho este que era seguido por asceses, repressões sociais e/ou religiosas (em efeito, quanto maior, especial e irredutível era o espirito, mais custava para "encaixá-lo" em uma corporeidade que foi reduzida a recipiente de espírito, sempre transbordante, insuficiente e prescindível, consumido pelo pecado). Deixando de lado este otimismo, no entanto, parece mais favorável pensar o corpo de nosso tempo como uma realização paroxística desta lógica arquitetônica que rege e governa com mão de ferro e que, introjeta no inconsciente social o slogan da flexibilidade ou da livre circulação (a exemplo, podemos citar fórmulas tidas como “revolucionárias” tal como ready-made (corrente artística que eleva objetos, antes industrializados, a peças de arte), self-service (estratégia econômica, onde o próprio cliente, coloca-se na posição de empregado, fornecendo a si próprio os produtos/serviços de determinada empresa), plug-and-play (conectar e usar)... Tornando-o assim objeto de uma politica que somente o submete a converter este corpo em um "ente, entre, entes", se não, de forma mais especifica, em um "módulo entre módulos", “estratos entre estratos”, “peças entre peças”, etc.

De algum modo, o corpo humano tem se visto arrastado por esta epidêmica mentalidade de valores mobiliários, modulares, que "corta" a matéria dividindo-a em peças modulares menores capazes de se combinar e se intercambiar entre si, encaixando-se umas com as outras e com o máximo de flexibilidade possível. Móveis, restaurantes de comida rápida, ordenadores, como também empregos, horários e casas se regem por esta lógica modular e compartimentada em que sempre é possível 'adicionar mais um acessório' e levar a cabo uma ‘nova atividade’, uma ‘nova função’. Estamos gradualmente sendo remodelados por todos os lugares: voos com escalas e conexões, menus com pratos adicionais, layouts de imprensa feita e organizada por seções e artigos divididos em blocos, módulos, catálogos divididos por moda, estação, idade, etc. Grades universitárias com créditos optativos e de "livres configurações”, bolsas sanduiches, videogames, smartphones com 'lojas' onde é possível baixar inúmeros outros aplicativos, sempre dando mais uma função plug-and-play ao smartphone. Curso de idiomas que garante nossa formação, uma vez que "nenhum bom currículo, está completo", como bem sabem os gurus em recursos humanos e psicólogos que arquitetam as entrevistas de trabalho a procura de um currículo mais adaptável/moldável fácil de ser desmontado e rearranjado a fim de preencher a cultura organizacional preexistente de uma empresa. E os corpos como bem sabem, também não está livre desta lógica trituradora: transplantes de órgãos, lista de espera para um rim, substituição de um nariz, dentes, lábios, seios novos; potencialização analítica/modular de músculos em academia. Sem aviso prévio nossos corpos são convertidos a um quebra-cabeça, ou qualquer outro objeto de entretenimento que seja montável e, claro, desmontável, sendo possível reconectar frente a novas exigências. O que parece ter acontecido é a impossíbilidade, precisamente, pensar numa vida íntegra ou num 'corpo sem órgãos[3]'. Viver sua potência em ato, sua força de existir.  Corpos cujas afecções são coroadas de tristeza nos conduzindo para uma condição menor de afetar e ser afetado, aniquilando potencias.

Não é possível separar o corpo da política. Toda pergunta acerca do corpo acaba podendo ser respondida a cerca dos dispositivos de poder e saber, e se nosso trabalho é perguntar-nos sobre qual é o tipo de corpo temos méritos em nosso mundo atual, é quase impossível fazer ouvidos surdos ao que Michel Foucault (1926-1984) tem a dizer a respeito. Para Foucault, o poder, diz Roberto Machado:
(...) intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder (2012; XII).
Revelando-nos assim, a Microfísica do poder, isto é, que o poder se exerce, se pratica, explicitamente sobre o corpo, o foco é sobre a corporeidade do indivíduo. Este micropoder atua sobre o corpo por meio de exercícios de adestramento, e agora de decomposição, sob os discursos de verdade, efeitos de verdade. Em concreto, há uma passagem no livro Vigiar e Punir (1996) do Michel Foucault que segue provocando, ressonando uma respiração mais vivida do que nunca em nossos tempos:

Mas o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. [...] o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso. Essa sujeição não é obtida só pelos instrumentos da violência ou da ideologia [...] pode ser calculada, organizada, tecnicamente pensada, pode ser sutil, não fazer uso de armas nem do terror, e, no entanto continuar a ser de ordem física. [...] esse controle constituem o que se poderia chamar a tecnologia política do corpo. (1996. p. 24-25)

Tecnologia política do corpo e microfísica do poder que na atualidade seguem formatando um corpo clínico, dividido mais do que nunca em órgãos; órgãos estes que se tornam susceptíveis de serem tomados como objeto de todo um conjunto de ciências que se localizam desde o final do século XVIII, nos hospitais, prisões e universidades, porém também, hoje, e de forma ainda mais específica, em academias, centros dermoestéticos e esferas da “tecnologia” como o marketing e a publicidade. Viabilizando-se assim como procedimentos técnicos de poder “que realizam um controle detalhado, minucioso do corpo – gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos” (MACHADO op. Cit., pag. XII). O resultado seria um corpo para/em expansão perpétua, conquista suprema de uma época cujo seu castigo é a sua qualidade de ser obliquo, lacunoso.
A pele imaculada distancia a imagem de falência do corpo. O ato de depositar pigmentos sob a pele (tatuar), de traspassá-la (piercing) ou de fazê-la adquirir um novo volume (implante) permite ao indivíduo incorporar, numa região do corpo real, a abstração, e dar à pele dessa região uma marca que possui o caráter de definitivo, o caráter (embora não verdadeiro) de não se transformar com o tempo (PIRES, 2003. p. 80)
Chegamos a um corpo onde álgebras, matrizes, territórios, estratificações, módulos, sistemas arquitetônicos, peças de quebra-cabeça interconectáveis, tudo isto, é hoje, inerente ao corpo, e logo, de costas para a vida. Esta cartografia, pausa por aqui, pretendendo provocar gagueiras intermináveis, e incessantes. Talvez seja o momento, onde possamos colocar nossos olhos sob o outro lado da balança, e enxergar a emergência deste corpo que é construído socialmente, politicamente. Espreita que há muito tempo se vem comentando, e infelizmente, paradoxalmente, vamos aos poucos, nos degradando. 

REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2010.
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
________________; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 3, vol.4. São Paulo: Ed. 34, 1995.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
__________________; MACHADO, Roberto (Organizador). Microfísica do poder. 30. reimpr., 2012. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 2012.
__________________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 14. ed. Petrópolis : Vozes, 1996.
PIRES, Beatriz Ferreira. O corpo como suporte da arte. São Paulo: Senac, p. 95, 2005.






[1] Isto é, desde que a condição seja “de que este gosto coincida com o de todos” (DELEUZE, 1988. p. 153).
[2] Na arquitetura modular, a estrutura opera de forma independente e ao mesmo tempo simultânea. Na arquitetura modular, os “bloco” são postos em um ambiente em um piscar de olhos. Assim, este sistema é aplicado nas mais diversas áreas, desde pré-fabricação de edifícios residenciais, comerciais, grandes obras, desenvolvendo peças de decoração e até promovendo eventos e propagandas.
[3]Seria preciso dizer: vamos mais longe, não encontramos ainda nosso CsO, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação. Encontre seu corpo sem órgãos, saiba fazê-lo, é uma questão de vida ou de morte, de juventude e de velhice, de tristeza e de alegria. É aí que tudo se decide” (DELEUZE; GUATTARI, 1996. p. 22).




leoLeonardo Andrade
Psicólogo, ator, dramaturgo e pesquisador.
 

Educação e Consciência.

Os Livros Amarelos, Vincent Van Gogh




A educação não pode ser um simples ato de transferir conhecimentos mais de despertar saberes, despertar o pensar, a descoberta do interesse em querer saber.


A educação precisa transcender no fazer pedagógico, valorizando o saber individual que todos têm adquirido no dia a dia na vivência diária de cada indivíduo, respeitando a bagagem cultural de cada ser humano.


A consciência é a compreensão crítica dos seres humanos que interferem na ação transformadora da humanidade, a qual tem um papel indispensável na transformação da sociedade .


A educação tem um papel fundamental na sociedade, se o indivíduo não for capaz de questionar sobre a si mesma e sobre o mundo no qual vive, dessa forma a educação passa a não cumprir o seu papel, pois o ser humano não foi despertado o pensar, a refletir sobre suas próprias experiências, limitações, existência e ações.


"Assim, na medida em que os seres humanos atuam sobre a realidade, transformando-a com o seu trabalho, que se realiza de acordo como esteja organizada a produção nesta ou naquela sociedade sua consciência é condicionada e expressa esse condicionamento através de diferentes níveis". (Freire, 1981)


Se a educação não despertar para a descoberta do pensar, do agir, do questionar o papel do indivíduo no mundo, será condicionado a servir
os interesses da classe dominante que é quem determina e condiciona através dos interesses do capital.


Se a educação não leva a liberdade do indivíduo, o opressor torna-se dono da sociedade, onde alguém manda e outros vivem em obediência e servidão.


Segundo Freire, "quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é ser o opressor". 
É preciso se perguntar a quem serve uma educação que não liberte o indivíduo? Quem é o opressor e o oprimido? O que representa na sociedade o oprimido ou o opressor? 


Refletindo sobre o "cativeiro social" o mesmo tornou-se a base principal para mantê-lo vivo a relação de poder entre dominantes e dominados é esse escravismo entre homens e mulheres que alimenta a servidão, impedindo a ação para libertação.


As escolas precisam ter cheiro de gente, gente que sonha, gente feliz, gente que pensa e ama, gente que fala e questiona, gente que troca saberes e experiências, gente que se comunicar através de um simples olhar.


O sonho por uma educação de qualidade social que liberte o indivíduo dever ser uma luta coletiva, para que possa ser alcançada esse deve ser o desejo de mulheres e homens que sonham e lutam por uma sociedade livre do escravismo social.

Biografia

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5° Ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981



Sandra Morais 
Graduada em História, professora de rede pública  Municipal de Santo Amaro das   Brotas/ SE e Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Cultura e Subjetividade-GPECS/CNPQ/UFS/SE.


 


Hannah Arendt: A Problemática da Esfera do Público e do Privado





O nosso entendimento sobre a política e a realidade, é atravessada por várias demandas e transformações, da qual somos nós, filhos. Assim, este conceito (política) é influenciado por vários elementos resultantes e presentes em nossa sociedade; principalmente, na modernidade, em torno da produtividade que se manifesta, enquanto conceito, na esfera pública, neste tempo histórico. Assim, o sentido de política, passa por diversas transformações, do que era compreendido e concebido antes, pelos Gregos; esmagado pela necessidade, a política, perde o seu sentido de liberdade. Haveremos de pensar, refletir e explicar um pouco mais sobre isso. 


A premissa da qual Arendt parte, é de que os consumidores entram na esfera do mercado perseguindo os interesses privados e; enquanto os cidadão entram na esfera da política perseguindo os interesses comuns.



No entanto, para Arendt estas duas atividades são distintas. Para compreendê-lo, há que remontar-se à Grécia Antiga; onde os gregos entendiam que a esfera do mercado era uma esfera onde o homem se encontrava submetidos, enquanto a esfera da política era a esfera onde o homem exercia a sua liberdade. A esfera público-política estava regida pelo princípio da liberdade; que unicamente era acessível a aqueles homens libres dos assujeitamentos das suas necessidades vitais. Partindo desta perspectiva conceitual grega, entre o Público e Privado existia uma distinção objetiva, uma vez que o primeiro lidava com os conceitos do bem comum e o de liberdade, enquanto o segundo era regida pelas necessidades e com a dominação. Dependendo inclusive da Ágora, uma vez que a pública acontecia na res-pública, e o privado acontecia no interior do Óikos.


Ser político e viver em uma pólis significava, pois, que tudo se dizia e fazia por meio do diálogo, a gestão era uma forma a ser tratado no interior da vida familiar, o Oikos. A polis se diferenciavam da família, pois na polis somente conhecia iguais, enquanto que na família, era o centro mais estrito da desigualdade, isto é, comandada pelo Déspota, o pai da família. A igualdade era a própria essência da liberdade. Ser livre significa não governar nem ser governado, tampouco ser submetido pelas suas necessidades. Todo o pensamento político grego se baseava na divisão decisiva entre as esferas pública e privada, isto é, entre a esfera da polis e a esfera da família, entre as atividades relativas ao mundo comum e aquelas restritas à manutenção da vida.


A Esfera pública (política) cumpria, assim, com duas condições básicas, sendo estas:
  •  Permitir a todos os cidadãos serem vistos e ouvidos por todos;

  • Possibilitava uma esfera comum, diferenciada da esfera privada. Esta esfera era o lugar onde os homens podiam mostrar a sua singularidade por meio dos discursos e das ações.


A Esfera privada, no entanto, estava regida pela necessidade; por que se encontrava privados das presença dos demais. Porém cumpria com duas condições:

  •  Era o lugar da propriedade privada, isto é, um lugar próprio no mundo. 
  •  Também era o lugar do que necessitava ocultar-se, precisava permanecer oculto. 
Na idade moderna desaparece assim, a distinção entre o público e o privado com a ascensão do SOCIAL, como conceitua a filósofa, isto significa para Arendt, a ascensão do conjunto doméstico ou das atividades econômicas na esfera pública, o que ocorria anteriormente no interior da esfera privada, isto é, pertencia à esfera privada, agora se tinha convertido em interesse público. A economia, por exemplo, para os Gregos, era de interesse da vida privada, uma vez que cada um procurava gerir a sua vida e o seu comércio, como também, questões relacionadas à saúde, alimentação, bem-estar, entre outros.


Outros dois aspectos que leva a ascensão da Esfera Social, é que a distinção e a diferença passam a serem assuntos privados do indivíduo. Em nossa sociedade atual, se substitui ação (vida activa) por conduta (ou opinião). Em um breve período de tempo a nova esfera do social, transformou as sociedades modernas em comunidades de trabalhadores e empregados, que agora somente dedicavam-se (e destaca-se por isso) a atividades que são necessárias para manter a vida, o que ela chama de Homo laborans.


O inconformismo de Arendt com a sociedade moderna e sua substituta, a sociedade de massas, é que retira do homem um lugar público de onde este poderia revelar-se quem és e exercer a sua liberdade, como também, seu lugar privado, onde em algum tempo poderia sentir-se protegido.


Um segundo aspecto do inconformismo de Arendt; se observa que a emancipação das classes trabalhadoras e das mulheres, só é possível a um nível formal. Com o auge da sociedade de massas, perde-se a condição objetiva de liberdade, e esta disfarça-se em uma falsa liberdade, a dos cidadãos modernos, moderna, onde o público está submetido ao privado, e os dois, assim submetidos à esfera do social

Quanto mais completamente a sociedade moderna rejeita a distinção entre aquilo que é particular e aquilo que é público [...] quanto mais ela introduz entre o privado e o público uma esfera social na qual o privado é transformado em público e vice-versa, mais difíceis torna as coisas para suas crianças [...]. (ARENDT, 2007)




A liberdade moderna somente a admite se estiveres regido sob seus próprios requisitos, que não por coincidência funciona a partir da exclusão, do que se definia como liberdade na Grécia Antiga. A liberdade deixa de ser algo objetivo.


Arendt realiza certas críticas a política moderna, em que se observa uma imensa desigualdade real dos cidadãos. Para Arendt, o problema da sociedade de massas é que o mundo perdeu a força de manter as pessoas juntas, de relacioná-las umas às outras e de separá-las. 


A perca dessa objetividade e a esvaziamento do espaço público significa pois a perca de um “mundo comum” que junta e articula os homens realizada por fatos e eventos que são inteligíveis a todos, no seu acontecimento e que materializa-se na comunicação intersubjetiva entre eles. Significando assim, que a perca deste “espaço comum” traz consequência e dimensões enormes, havendo inclusive a dissolução da própria ideia de um “senso comum”, colocando em cheque a capacidade de discernimento da própria experiência de realidade dos sujeitos. A perca da sensibilidade e capacidade de suportar a intimidade e a contradição inerente à experiência de viver em coletividade, o espaço de encontro com o outro se perde cada vez as suas nuances e dá espaço para os binarismos no abismo que é o encontro com o outro. 




Referências:

Arendt, Hanna (1997). A Condição Humana, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 8a edição revista.

Santos, S. V. (2012). A relação entre o público e o privado: um estudo inicial no pensamento de Hannah Arendt.


leoLeonardo Andrade
Psicólogo, ator, dramaturgo e pesquisador. 
 

Folha em branco



Imagem Encontrada na Internet


Escrevo para expurgar minhas angústias. Nessa folha em branco, explodo minhas tormentas no intuito contínuo de clarear o que penso e para onde vou . Escrevo na batalha de tornar essas palavras espelhos do que sou . Melhor, escrevo na batalhe de enxergar aquilo que me torno a cada respiro, a cada suspiro , a cada pensamento. 

Tudo é luz e tudo em vão. Não importa. No fundo, no fundo, escrevo mesmo para me desfazer do que sou agora e abrir espaço para o que estar por vir. Mas ao mesmo tempo que exercito o desapego, ao mesmo tempo que deixo ir, vez por outra, essa peleja de viver cortando raízes me angustia e me arrebata. Daí essas palavras. Sim, essas palavras tortas nessa folha em branco me servem de chão pra caminhar. Dão a mim uma bússola para o presente . Para o agora. Para a vida. 

Escrevo irremediavelmente para explodir no mundo. As vezes dói , as vezes angustia, as vezes liberta , cura .


Lucas Carvalho 

Historiador, pesquisador e membro do Gpecs(Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e    Subjetividades