COTIDIANO



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Sexta feira fui ao teatro assistir a um espetáculo intitulado "O Espelho". O enredo girava em torno da vida de um menino chamado Davi, o qual através de um misto entre encenação e dança, de forma bastante intensa, transmitia o modo como ele experimentava seu corpo e tudo que o rodeava. Seu contato com o mundo era intensamente "visceral", corpóreo e afetivo. Ia além de qualquer tentativa de interpretação à priori dos objetos (as nuvens, um ioiô, um ovo, um espelho e seu reflexo, o sol, a lua, o mar, os animais etc) que o menino experimentava, inclusive a ele mesmo.

Com uns 30 minutos de espetáculo, algo que não estava no palco, chamou minha atenção: uma menina sentada ao lado, na companhia de sua mãe e sua avó. Essa menina, que devia ter em torno de 7 anos de idade, estava assistindo ao espetáculo de maneira bastante singular. Ela, mais do que assistir, buscava imitar os movimentos dos atores e dançarinos que estavam no palco, os sons e até comentava com sua mãe e sua vó algumas cenas. 
O ápice de sua inquietude, foi quando ela ficou encostada no canto direito do palco (bem em minha frente) enquanto imitava os saltos, os giros e todos os movimentos dos artistas. No entanto, essa maneira inquieta de viver aquele espetáculo, lhe rendeu algumas broncas de sua mãe, "se sente", "silêncio", " assista"... 

O que talvez a mãe não entendia naquela menina era que para ela não bastava simplesmente observar o que acontecia no palco, era preciso muito mais... Era preciso sentir aquilo em seu corpo... Ela necessitava viver o que estava se passando... 

A mãe não entendia que o modo de sua menina se relacionar com o espetáculo necessitava ser completamente diferente dos modos das pessoas adultas.

Para sua mãe e talvez outras pessoas que estava alí por perto, o comportamento daquela menina em um teatro estava completamente errado. Ela estava assistindo errado. Talvez pensassem que ela não compreendia o que estava se passando naquele espetáculo.

Porém, foge de nossa mera compreensão de adultos o quanto singular era o comportamento daquela menina. Talvez, foi exatamente essa menina que em meio às demais pessoas compreendeu melhor o que estava se passando naquele espetáculo, afinal, o mesmo tratava da relação corpórea de Davi com o mundo. Se o espetáculo representava essa relação, aquela menina em minha frente me ensinou de maneira real tal relação. Essa menina me ensinou que não basta observar, é necessário viver, se doar, experimentar. As crianças nos ensinam que não podemos ser simples observadores de nossas vidas, podemos e devemos vivê-la de maneira intensa criando e esculpindo nossa existência. Devemos ser o artista dela, o dançarino, o ator... Isso requer uma relação corpórea, afetiva e "visceral" com tudo o que nos acontece.

Texto : Elder Correia

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