A fragilidade dos contratos e a profundidade da vida



                                   



Lendo o Tratado Político de Espinosa fiquei com algumas ideias  reverberando dentro de mim até o momento que escrevo esse texto. Talvez, a principal delas tenha sido o fato de ter compreendido que os contratos são apenas palavras dadas . Explico !

 O que Espinosa parece querer dizer é que a vida é muito mais profunda do que as letras frias dos contratos e que por mais que nós possamos/tentamos podá-la, restringi-la , doutriná-la por meio das gélidas clausulas contratuais, ela explode em intensidade por meio de nosso direito de natureza.

Ele nos mostra como nós nos construímos enquanto sujeitos de forma tão rígida ao ponto de submeter  e restringir nossa vida à prisão dos contratos. Acreditando existir uma cartilha, uma espécie de mapa da mina , onde se pode caminhar e viver livre da inconstância.  Ou seja , Espinosa nos mostra o quanto nos despotencializamos submissos a essas clausulas contratuais, nadando contra à maré da nossa própria natureza . Preferimos a rigidez da hierarquização da vida a entendê-la como composição . Insistimos na fragmentação, na categorização em vez da unicidade. E no final, depois de tantos gastos e desgastes não há contrato que possa com o imponderável da vida e da própria natureza.

O contrato é frágil . E por mais racionalistas que possamos ser não conseguiremos submeter, ou  adestrar nossa natureza. Os contratos e sua racionalidade não são capazes de impedir a potência de nossas afecções . Talvez por isso, desconfio que a moral entre nesse jogo  para cumprir esse papel que o contrato sozinho não conseguiu : o de potencializar o amordaçamento de nosso viver .

Porque será a moral que existe por trás dos contratos, das lei, das relações sociais que irá nos paralisar através da culpa . Culpa de fazer , de não fazer, de desejar , de consumar o desejo, de não ter desejo. Culpa de não seguir à risca, de subverter a ordem , culpa de movimentar-se . A moral matará  o movimento .

Por isso, Espinosa e suas palavras vêm afirmar para mim que não devo me levar tão a sério. Mais que isso, vêm  reafirmar a necessidade de desconfiar do que penso, do que acredito, do que reivindico, o tempo todo . Porque é aqui onde está a potência , onde está o movimento, a vida em profundidade com tudo que me cerca e me compõe . E sob isso não tenho controle. Não existe razão, lei, ou nenhum Deus transcendental que eu possa usar de apoio, ou transferir meu direito de natureza nessa vã busca da calmaria eterna . Não existe porto seguro. Existe, pois, a possibilidade de aprender a navegar.  Tenho , então, preferido os rascunhos e as rasuras em vez dos contratos .


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