Hannah Arendt: A Problemática da Esfera do Público e do Privado





O nosso entendimento sobre a política e a realidade, é atravessada por várias demandas e transformações, da qual somos nós, filhos. Assim, este conceito (política) é influenciado por vários elementos resultantes e presentes em nossa sociedade; principalmente, na modernidade, em torno da produtividade que se manifesta, enquanto conceito, na esfera pública, neste tempo histórico. Assim, o sentido de política, passa por diversas transformações, do que era compreendido e concebido antes, pelos Gregos; esmagado pela necessidade, a política, perde o seu sentido de liberdade. Haveremos de pensar, refletir e explicar um pouco mais sobre isso. 


A premissa da qual Arendt parte, é de que os consumidores entram na esfera do mercado perseguindo os interesses privados e; enquanto os cidadão entram na esfera da política perseguindo os interesses comuns.



No entanto, para Arendt estas duas atividades são distintas. Para compreendê-lo, há que remontar-se à Grécia Antiga; onde os gregos entendiam que a esfera do mercado era uma esfera onde o homem se encontrava submetidos, enquanto a esfera da política era a esfera onde o homem exercia a sua liberdade. A esfera público-política estava regida pelo princípio da liberdade; que unicamente era acessível a aqueles homens libres dos assujeitamentos das suas necessidades vitais. Partindo desta perspectiva conceitual grega, entre o Público e Privado existia uma distinção objetiva, uma vez que o primeiro lidava com os conceitos do bem comum e o de liberdade, enquanto o segundo era regida pelas necessidades e com a dominação. Dependendo inclusive da Ágora, uma vez que a pública acontecia na res-pública, e o privado acontecia no interior do Óikos.


Ser político e viver em uma pólis significava, pois, que tudo se dizia e fazia por meio do diálogo, a gestão era uma forma a ser tratado no interior da vida familiar, o Oikos. A polis se diferenciavam da família, pois na polis somente conhecia iguais, enquanto que na família, era o centro mais estrito da desigualdade, isto é, comandada pelo Déspota, o pai da família. A igualdade era a própria essência da liberdade. Ser livre significa não governar nem ser governado, tampouco ser submetido pelas suas necessidades. Todo o pensamento político grego se baseava na divisão decisiva entre as esferas pública e privada, isto é, entre a esfera da polis e a esfera da família, entre as atividades relativas ao mundo comum e aquelas restritas à manutenção da vida.


A Esfera pública (política) cumpria, assim, com duas condições básicas, sendo estas:
  •  Permitir a todos os cidadãos serem vistos e ouvidos por todos;

  • Possibilitava uma esfera comum, diferenciada da esfera privada. Esta esfera era o lugar onde os homens podiam mostrar a sua singularidade por meio dos discursos e das ações.


A Esfera privada, no entanto, estava regida pela necessidade; por que se encontrava privados das presença dos demais. Porém cumpria com duas condições:

  •  Era o lugar da propriedade privada, isto é, um lugar próprio no mundo. 
  •  Também era o lugar do que necessitava ocultar-se, precisava permanecer oculto. 
Na idade moderna desaparece assim, a distinção entre o público e o privado com a ascensão do SOCIAL, como conceitua a filósofa, isto significa para Arendt, a ascensão do conjunto doméstico ou das atividades econômicas na esfera pública, o que ocorria anteriormente no interior da esfera privada, isto é, pertencia à esfera privada, agora se tinha convertido em interesse público. A economia, por exemplo, para os Gregos, era de interesse da vida privada, uma vez que cada um procurava gerir a sua vida e o seu comércio, como também, questões relacionadas à saúde, alimentação, bem-estar, entre outros.


Outros dois aspectos que leva a ascensão da Esfera Social, é que a distinção e a diferença passam a serem assuntos privados do indivíduo. Em nossa sociedade atual, se substitui ação (vida activa) por conduta (ou opinião). Em um breve período de tempo a nova esfera do social, transformou as sociedades modernas em comunidades de trabalhadores e empregados, que agora somente dedicavam-se (e destaca-se por isso) a atividades que são necessárias para manter a vida, o que ela chama de Homo laborans.


O inconformismo de Arendt com a sociedade moderna e sua substituta, a sociedade de massas, é que retira do homem um lugar público de onde este poderia revelar-se quem és e exercer a sua liberdade, como também, seu lugar privado, onde em algum tempo poderia sentir-se protegido.


Um segundo aspecto do inconformismo de Arendt; se observa que a emancipação das classes trabalhadoras e das mulheres, só é possível a um nível formal. Com o auge da sociedade de massas, perde-se a condição objetiva de liberdade, e esta disfarça-se em uma falsa liberdade, a dos cidadãos modernos, moderna, onde o público está submetido ao privado, e os dois, assim submetidos à esfera do social

Quanto mais completamente a sociedade moderna rejeita a distinção entre aquilo que é particular e aquilo que é público [...] quanto mais ela introduz entre o privado e o público uma esfera social na qual o privado é transformado em público e vice-versa, mais difíceis torna as coisas para suas crianças [...]. (ARENDT, 2007)




A liberdade moderna somente a admite se estiveres regido sob seus próprios requisitos, que não por coincidência funciona a partir da exclusão, do que se definia como liberdade na Grécia Antiga. A liberdade deixa de ser algo objetivo.


Arendt realiza certas críticas a política moderna, em que se observa uma imensa desigualdade real dos cidadãos. Para Arendt, o problema da sociedade de massas é que o mundo perdeu a força de manter as pessoas juntas, de relacioná-las umas às outras e de separá-las. 


A perca dessa objetividade e a esvaziamento do espaço público significa pois a perca de um “mundo comum” que junta e articula os homens realizada por fatos e eventos que são inteligíveis a todos, no seu acontecimento e que materializa-se na comunicação intersubjetiva entre eles. Significando assim, que a perca deste “espaço comum” traz consequência e dimensões enormes, havendo inclusive a dissolução da própria ideia de um “senso comum”, colocando em cheque a capacidade de discernimento da própria experiência de realidade dos sujeitos. A perca da sensibilidade e capacidade de suportar a intimidade e a contradição inerente à experiência de viver em coletividade, o espaço de encontro com o outro se perde cada vez as suas nuances e dá espaço para os binarismos no abismo que é o encontro com o outro. 




Referências:

Arendt, Hanna (1997). A Condição Humana, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 8a edição revista.

Santos, S. V. (2012). A relação entre o público e o privado: um estudo inicial no pensamento de Hannah Arendt.


leoLeonardo Andrade
Psicólogo, ator, dramaturgo e pesquisador. 
 

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